Se fosse arte, seria mais inteligente

Ufanistas de plantão me perdoem, mas não gosto de Chico Buarque e nem de Gilberto Gil. Nem um pouco. Mas isso não me impede de admirar a inteligência deles quando, em plena ditadura militar, compõem a música “Cálice” com o refrão “Pai, afasta de mim esse cálice”; um trocadilho explícito com a expressão “cale-se!”. Uma contestação tão criativa à censura da época que os censores nem se deram conta e a música, interpretada por Chico Buarque, emplacou e fez sucesso. Ainda hoje carrega o ideal da letra consigo. Não gosto, não ouço, mas bato palmas pois é inteligente, criativa e elegantemente contestadora – ou seja, é Arte.

Agora, aos fatos:

(foto:Werther Santana/AE)

No último dia 12 (12/06/2008) um dos alunos do último ano do curso de Artes Visuais do Centro Universitário de Belas Artes, em São Paulo, decidiu apresentar uma obra diferente para garantir a formatura. Pichador desde os 13, Rafael Augustaitiz recrutou 40 colegas no centro da cidade, rumaram para o campus, sacaram suas latas e deixaram muitos grafiteiros tristes. Vandalizaram salas e corredores, agrediram e foram agredidos e tudo terminou com 5 detidos, Rafael inclusive. “Os detidos disseram à polícia que a pichação é uma forma de arte e expressão” (G1, São Paulo).

Longe de mim dar início a sermão moralista ou dizer que só pode fazer arte quem sentou a bunda em cadeira de faculdade cara. Mas se por algum acaso o Rafael, na busca por seus 15 minutos de fama, chegar a ler essa postagem vou dar a ele um conselho bacana que aprendi por conta, quebrando a cara: se você quer contestar o sistema, precisa ser mais inteligente do que ele. Foi isso que o Banksy fez e faz, só pra citar um artista do grafite.

“No texto que escreveu para justificar “a ação”, 28 páginas encimadas pelo título “Marchando ao compasso da realidade”, Rafael desafia: “Somos abusados? Que se foda! É um orgulho para vocês eu estar dentro dessa podre faculdade. Não sou seu filhote, não preciso do seu aval. A arte hoje em dia é para quem está na pegada. Para os bunda-moles ela morreu faz é tempo.” O curso de Artes Visuais tem mensalidade de R$ 900. Rafael é bolsista integral.” (Laura Capriglione, Folha de São Paulo)

(foto:Fernando Donasci / Folha Imagem)

Rafael, Gandhi conseguiu muito mais só batendo palmas.

leia mais sobre:
no Canal Contemporâneo (Originalmente publicado na Folha)
no Terra
no G1

  1. junho 15, 2008 -

    Não li o tal comunicado da aluna, li sobre o assunto na Folha, acho a postura da entidade ridícula, se a escola tem representantes da semana de 22, a escola não faz por merecê-los, Oswald de Andrade deve estar pulando no túmulo, pelo simples motivo de que essas pessoas estariam lendo, com certeza, Ranciére e Borriaud. Como escola de Belas Artes, vocês deveriam abrir o debate e não abafar a crítica.

    Salve esse garoto que soube reconhecer a hipocrisia de uma inclusão ligada a interesses econômicos e desnudou o olhar enviesado sobre os excluídos, basta ler para tal confirmação o parágrafo final do texto: “Por fim, a Direção do Centro Universitário só tem a lamentar que um aluno beneficiado com bolsa de estudos durante sua vida acadêmica tenha agido de forma tão rude e grotesca com a instituição que lhe recebeu de braços abertos e protagonizado cenas tão assustadoras para os seus colegas, professores e auxiliares de administração escolar, bem como esclarece que a missão de prestar ensino a quem dele necessitar mediante concessão de bolsa de estudos não foi (nem será) afetada pelos atos criminosos praticados por aluno bolsista”.

  2. junho 15, 2008 -

    Carlos, não queremos abafar as críticas. Pelo contrário. Não fiz a postagem em tom jornalístico que, apesar da preterida imparcialidade, tratou os envolvidos como criminosos. Iniciei o debate com minha opinião, sem hipocrisia e fico muito feliz por você está expondo a sua aqui, com argumentos e consistência ao invés de uma chuva de palavrões. Se algum dia as cadeiras acadêmias (públicas ou particulares) serviram para alguma coisa foi para mostrar a importância da dialética.

    Volto a dizer, minha opinião – não estendo nem para toda Old Black – é que se o que Rafael fez foi arte de contestação, deveria ter sido mais inteligente.

    Seja bem-vindo à Old Black Gallery

  3. junho 16, 2008 -

    Mesmo reconhecendo tal hipocrisia, a atitude do aluno foi deveras patética. Existem “n” formas de saber criar um protesto, tornando-o eficiente e com grande repercussão.

    Não é “destruindo” patrimônio alheio, que toda a crítica social para com a instituição, será finalmente vingada. Eu mesmo já estudei Licenciatura em Educação Artística na Belas Artes e sei bem como são as burocracias lá, mas nada justifica uma atitude patética como essa.

    Como dito na reportagem, palmas para Rafael Augustaitiz, afinal, este conseguiu os seus 15 minutos de fama.
    Infelizmente, com um tipo de atitude nada artística.

    Lamentável.

  4. junho 16, 2008 -

    Ora pois, pois! Fui atrás do que minha mãe chama de “pai dos burros”, um dicionário mesmo, e li:
    “Arte se refere a uma ampla subdivisâo da cultura”, sendo assim uma manifestação cultural. Droga! vamos atrás do significado de cultura então…
    “Cultura se refere ao padrão de atividades humanas e a estrutura de símbolos que dão significado e importância a estas atividades.”

    Mmmmmm… Então comecei a refletir no significado da ação de nosso aspirante a graduado em artes e cheguei a conclusão (pessoal é claro) de que ele refletiu a cultura da “pixação” tal e qual como a conheceu. Existe um conjunto complexo de regras e símbolos no mundo da “pixação” (olha a cultura aí) que nos remete direto à arte de protesto. No entanto, ao não contemplar nenhum vestígio de seus anos de faculdade neste projeto, eu diria que ele errou no endereçamento deste protesto. Sendo assim, não acho que houve “importância ou significado” neste ato simbólico. Poxa Rafael, será que não houve nada de proveitoso em anos de ensino superior de Artes plásticas que pudessem dar “importância e significado” a este projeto? E assim, transformando isso em uma atividade cultural e certamente uma forma de Arte.

  5. junho 16, 2008 -

    ridicula a forma dessa pessoa que se diz estudante, superior por sinal, em fazer um ato vileno e de vandalismo pra chamar a atenção, ele acabou mostrando a verdadeira cara da maioria dos estudantes do seculo 21- uma cabecinha mediocre e infantil, e acima de tudo podre…acho q eles estão servindo apenas pra usar drogas hoje em dia, pq vandalismo nunca será arte, e essa pratica merece punição.

  6. julho 15, 2009 -

    […] está aberto, só clicar no play do vídeo abaixo, mas antes de ver as imagens, eu peço para você clicar aqui e ver a postagem genial que o Substance fez sobre o famoso caso BelasArtes x Pixadores. Pixo, un […]

  7. janeiro 9, 2011 -

    Sei que a postagem já tem um bom tempo… mas para uma pequena parte o ato ficará marcado na história.

    Pessoalmente achei o ato válido. Ache alguns a pixação como ato de vandalismo e outros como arte. Particularmente tenho os dois conceitos comigo. É arte e o vandalismo se faz necessário para que se prossiga. A adrenalina é necessária. O ato do estudante foi válido, ao meu ver, no contexto que foi aplicada. A instituição deveria ter aceito o ato, visto que para cada indivíduo existe um conceito do que é arte ou não para ele. O rapaz tentou expor sua idéia do que para ele é arte… porém, mais uma vez, a hipocrisia e a repressão não deixa nada passar. Lamentável o ato da instituição e não o do estudante.

    PS:. O Rafael não teve apenas os 15 minutos de fama como citado acima… Creio que já se passaram 3 anos não? 😉